Viktor Frankl: Num Campo de Concentração, em Busca de Sentido (parte IV)
Dando sequência ao artigo Viktor Frankl: Num Campo de Concentração, em Busca de Sentido (parte III), hoje então voltamos a relatar os detalhes como era a vida dos Prisioneiros de um Campo de Concentração, e do Viktor Frankl e a sua busca de sentido.
ARTE NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO
Arte no campo de concentração – será possível isso? Vale dizer que vez por outra havia inclusive teatro improvisado. Desocupava-se provisoriamente um barracão, improvisaram-se alguns bancos de tábuas e elaborava-se um “programa”. E à noite vêm aqueles que passavam relativamente bem no campo, como por exemplo os capos ou os trabalhadores internos que não precisavam marchar para o trabalho externo. Eles vêm para rir ou chorar um pouco, em todo o caso para esquecer.
Apresentam-se algumas canções e recitam-se poemas, contam-se ou apresentam-se cenas cômicas. Ou então mesmo sátiras alusivas à vida no campo de concentração, tudo para ajudar a esquecer. E realmente ajuda! Ajuda a tal ponto que alguns prisioneiros comuns, não privilegiados, vêm para esse teatro. Ainda que exaustos da labuta do dia e mesmo perdendo por isso a distribuição de sopa.
Eu diria, até, que a experiência propriamente dita daquilo que de certa forma, está ligado à arte, provinha antes do tremendo contraste entre o que era apresentado e o pano de fundo da desolada vida no campo. A arte tem, de fato, esse poder redentor de salvar a vida! Jamais esquecerei quando acordei do profundo sono de esgotamento na segunda noite em Auschwitz, despertado por música.
O chefe do bloco estava comemorando alguma coisa em seu compartimento bem ao lado da entrada do barracão. Vozes embriagadas berravam canções populares. Repentinamente silêncio, e um violino chorava um tango de tristeza infinita, raramente tocado e ainda não gasto de tanto ouvir… chorava o violino – dentro de mim algo chorava junto. É que naquele dia alguém fazia vinte e quatro anos e este alguém estava deitado em algum barracão do campo de Auschwitz, distante apenas algumas centenas ou milhares de metros dali – e mesmo assim fora de alcance. Esse alguém era minha esposa.
HUMOR NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO
Se a pessoa que está de fora já pode surpreender-se com o fato de o campo de concentração permitir algo como a experiência da arte ou da natureza, mais ainda se espantará se eu disser que ali também existia humor. Claro, somente um princípio de humor, e mesmo assim, apenas por segundos ou minutos. Também o humor constitui uma arma da alma na luta por sua autopreservação.
Afinal é sabido que dificilmente haverá algo na existência humana tão apto como o humor para criar distância e permitir que a pessoa se coloque acima da situação, mesmo que somente por alguns segundos. Um amigo e colega com quem trabalhei lado a lado, por semanas a fio, no local da construção, foi por mim adestrado na prática do humor: propus-lhe o compromisso mútuo de inventarmos ao menos uma piada por dia, mais especialmente uma ocorrência que poderia ter lugar após a nossa libertação e volta para casa.
A vontade de humor – a tentativa de enxergar as coisas numa perspectiva engraçada – constitui um truque útil para a arte de viver. A possibilidade de optar por viver a vida como uma arte, mesmo em pleno campo de concentração, é dada pelo fato de a vida ali ser muito rica em contrastes. E efeitos contrastantes, por sua vez, pressupõem certa relatividade de todo o sofrimento.
Em sentido figurado, se poderia dizer que o sofrimento do ser humano é como algo em estado gasoso. Assim como determinada quantidade de gás preenche um espaço oco sempre de modo uniforme e integral, não importando as dimensões desse espaço, o sofrimento ocupa toda a alma da pessoa humana, o consciente humano.
Daí resulta que o “tamanho” do sofrimento humano é algo bem relativo. O transporte se dirigia “apenas” para Dachau”… Essa é uma outra analogia, sobre quando eles saíam de Auschwitz e iam para outro campo de concentração e no meio daquela viagem miserável, eles percebiam que o trem não ia para Mauthausen, mas ia apenas para Dachau. Eles também tinham essa sensação de humor. Eram nessas pequenas ironias que eles se apegaram para conseguirem algum alívio através desse senso de humor.
E como foi depois, ao chegarmos ao campo sucursal em Dachau? Tínhamos viajado dois dias e três noites e no chão do apertado vagão-cárcere não havia lugar para todos se assentarem. A maioria teve que passar de pé a longa viagem, enquanto alguns poucos podiam acocorar-se por turnos sobre um pouco de palha, que estava molhada de urina. Em outras palavras: estávamos completamente esgotados ao chegar.
INVEJANDO PRESIDIÁRIOS
Ou como nos sentíamos quando víamos um grupo de presidiários passando pelo local de trabalho? Ali se revelava flagrantemente a relatividade de qualquer situação de sofrimento! Ocorre que invejávamos esses presidiários por sua vida relativamente regrada, relativamente assegurada, relativamente asseada! Ou como invejávamos até aqueles entre nós que tinham a grande chance de ir trabalhar numa fábrica em ambiente fechado, protegidos do frio e do tempo!
Com quanta ansiedade cada um de nós esperava essa chance de salvar a vida! Mas a escala de felicidade relativa ainda vai além. Mesmo entre nós, que tínhamos que trabalhar em grupos de trabalho externo, podia ser que aquele destacado para um comando pior invejasse outro justamente por este não ter a infelicidade de ficar doze horas por dia descarregando as vagonetas de uma linha rural, numa encosta íngreme, com o barro até os joelhos.
Nesse comando ocorria a maior parte dos acidentes, que eram diários e muitas vezes fatais. Outros comandos tinham capatazes tão rigorosos e inclinados à violência contra os prisioneiros, que nos considerávamos relativamente felizes pelo fato de não pertencer a eles. Certa vez, por uma infeliz coincidência, caí num desses comandos de trabalho.
Durante duas horas, o supervisor me maltratou constantemente, até que um alarme aéreo forçou a interrupção do serviço. Depois se tornou necessária uma nova distribuição do pessoal em grupos de trabalho. Não fosse isso, eu acabaria sendo transportado de volta para o campo de concentração sobre o trenó em que eram levados os companheiros já mortos ou prestes a morrer de esgotamento.
Ouvir a sirene de alarme numa situação dessas é uma redenção que nem um pugilista, que já experimentou o que se representa a batida do gongo, no final de um round, a salvá-lo do nocaute no último instante, pode imaginar.
No próximo artigo vamos falar do que é Felicidade num Campo de Concentração.
Até o próximo encontro!
Gostou do artigo? Quer saber mais sobre a história de Viktor Frankl e a sua busca de sentido? Então entre em contato comigo. Terei o maior prazer em informar.
Até próximo encontro!
Elizabeth Kassis
Coluna Tudo Azul
Referências: Wikipédia, Página Oficial: www.univie.ac.at/logotherapy/, Em Busca de Sentido (Viktor E, Frankl -1984), Professor Dr. Alberto Nery.
Confira também:
Num Campo de Concentração, em Busca de Sentido (parte I)
Num Campo de Concentração, em Busca de Sentido (parte II)
e Num Campo de Concentração, em Busca de Sentido (parte III)
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