Para Maria Luísa, que quero e me esforço para que meu ‘’eu te amo’’ diário seja para sempre.
Certamente, há infinitas formas de se perverter a frase ”Eu te amo”. A maioria delas é muito próxima e comum. Você sabe, não? Talvez conheça alguém que passou por uma delas. Um adolescente lascivo diz ”Eu te amo” para a parceira, mas, essencialmente, visa apenas transar e iludir; instrumentaliza o amor, portanto. Um marido ausente é fecundo em afirmar o amor pela esposa, contudo jamais renuncia às próprias vontades em favor dela; banaliza o amor, então. Uma mãe é certa que ama incondicionalmente e, no entanto, sufoca e limita os filhos, não permitindo sua independência; morbidiza o amor, pois.
Instrumentalização, banalização e morbidização são algumas dessas perversões óbvias e, por isso mesmo, condenadas sempre que ocorrem. Todavia, há formas menos explícitas e, por conseguinte, menos condenáveis de se deturpar o sentimento. Talvez a mais sutil, que se traveste com um viés de beleza, seja expressar ”Eu te amo” como uma certeza, um fatalismo. Em suma, afirmar, banalmente, que um relacionamento persistirá para sempre.
O nosso cérebro e a psicologia adoram fazer previsões sobre o futuro, via de regra se baseando no presente. Crê-se que a felicidade será permanente, as personalidades estáveis e o verão eternamente bonito. Rudemente falando, não vai. Em um dia ensolarado, você, nos braços macios e sobre os beijos doces da pessoa amada, afirma, com uma certeza honesta, que ficará com ela para sempre. Então, eventualmente, com mais ou menos intensidade, por um dia ou por toda a vida, a felicidade prévia se mostra ausente, o dia nublado, o braço ressecado e os beijos amargos, e você – coitado – vê-se em uma situação diametralmente oposta àquela em que a jura havia sido feita. E tudo termina. E o ”Eu te amo”, tal qual o usado pelo adolescente lascivo, o marido ausente e a mãe superprotetora, esvazia-se e morre.
Esse trágico desfecho advém de uma das características próprias de tudo que é muito certo: a acomodação. Afinal, por que o camponês semearia se o Senhor o alimentasse? Se juramos amor eterno, supostamente se tem, como o camponês, uma garantia para a vida. Toda a tensão envolvida em buscar um amado, em seduzi-lo e em trabalhar para mantê-lo – precisamente as ações que caracterizam o amor – deixa de existir, dado que já temos tudo para sempre. Então, paradoxalmente, a afirmação máxima do afeto finda mais por erodi-lo do que edificá-lo. A eternidade torna o coração sedentário, em última análise.
Então, tudo está perdido neste mar de pessimismos? Só nos resta relacionamentos curtos ou, se longos, falsos? Não necessariamente. Basta que o ”Eu te amo para sempre” seja uma expressão mais humilde: ao invés da pretensão de exprimir uma certeza e uma verdade sobre o mundo, ele deve manifestar um desejo e, mais significativamente, um comprometimento. Ou seja, ao invés de dizer que SERÁ ASSIM, afirmar o amor eterno quer dizer que QUEREMOS que assim seja e que VAMOS NOS ESFORÇAR para tal. Com esta pequena mudança de visão, logo se deve notar, posto o amor real, uma alteração dramática em nossa forma de agir.
Com a perspectiva do desejo e do esforço, força-se no indivíduo a prática do amor durante todos os dias e, mais do que isso, a avaliação sobre as virtudes e falhas do relacionamento. No conforto da cama, em todas as noites, reafirmará para si mesmo a sempre presente possibilidade de término e, para diminuí-la, refletirá sobre as formas de melhorar seu relacionamento, de afastar o marasmo. Em internalizar que o sentimento, como o tempo ensolarado, é passível de extinção, lutará para preservá-lo. Na aceitação da efemeridade, encontrará o perene. No amor diário, o eterno.
Com isso, evitar-se-á que o ‘’Eu te amo’’ se torne pervertido, tanto das formas óbvias quanto das sutis, salvaguardando a honra desta tão nobre expressão do mais belo dos sentimentos.
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