O quanto é difícil emplacar uma inovação na gestão de pessoas
Por vezes me pergunto, em se tratando de resiliência e ética, qual a razão de ser um caminho tão tortuoso e complicado, para quem está muito envolvido num setor como o do Recursos Humanos; enxergar o valor das técnicas que carreiam inovação, especialmente quando elas são, de fato, disruptivas na gestão de pessoas?
Acredito que podemos listar algumas frequentes razões e que bastante esclarecem tais reações.
Uma razão é que estas técnicas inovativas acompanham o raciocínio que promovem o desenvolvimento exponencial1, se opondo ao linear.
Daniel Kahneman² trata desse assunto quando relata que em situações nas quais somos estimulados a agir dentro de padrões esperados (como no trabalho), quase sempre já tivemos anteriormente um treino (muitas vezes pela área de T&D) em raciocinar de modo linear.
Assim, somos profissionais formatados por décadas a pensar nos moldes do “faça assim”. E somos cobrados por isso. Por que você não fez ou faz ASSIM? Este modelo de funcionar acaba nos impelindo para um funcionamento mental mais previsível. Apresentamos dificuldades em olhar e projetar cenários verdadeiramente inovadores. Quando o contexto se refere a um produto ou serviço – maior o desafio em projetar as efetivas chances que nascem dentro de um modelo disruptivo.
Por exemplo, no ano de 2019 fui convidado a gravar vídeos falando sobre minhas percepções acerca do futuro do trabalho. Acontece que, para mim, o stress ainda NÃO é o tema mais prioritário para as organizações chegarem a bons resultados. Por isso, lá nos vídeos, defendi a ideia de que o futuro para o Gestor de Pessoas seria lidar com o novo stress (desqualificação profissional / competências superadas para o futuro / dificuldade na aprendizagem de novas tecnologias etc.) e que esse futuro iria chegar até 2030.
Havia um certo conforto no início de 2019 quanto haver um tempo razoável para as pessoas e empresas se adaptarem do modo apropriado às mudanças em curso. Dessa forma, os profissionais e organizações seguindo uma lógica linear iriam aguardar, por até quem sabe, mais de uma década, para ter que lidar com a escassez do trabalho.
Ocorre que, a COVID 19, não seguiu a ordem linear, e sim, a trajetória exponencial. Em menos de um ano (final outubro de 2019 até maio de 2020), a escassez, a volatilidade e a desqualificação do trabalho se fizeram realidade.
Outro entendimento é que a tendência de pensar de modo automático, rápido e com decisões confortáveis para os desafios imediatos / urgentes nas várias áreas de nosso dia a dia, nos levou a olhar o futuro e rejeitar, postergar, negligenciar respostas urgentes que tínhamos pela frente, por exemplo, a requalificação com base nas tecnologias disruptivas.
Como empresas são pessoas, também assim funcionaram.
Havia uma maneira de pensar de que as empresas iriam se preparar e os colaboradores, por chamada, iriam ser convocados para a requalificação.
Normalmente, ocorrem respostas tímidas para o cenário futuro, em função daquilo que mais se gosta e que menos nos incomoda ou desafiam.
Há um banco no mercado que comprou lojas de carros, corretoras de seguros e, pasmem, não investiu em novas tecnologias como a Digital. Hoje, a própria liderança maior do banco se tornou a fonte de adversidades para os colaboradores, – colocando vários aspectos da ética em xeque, por querer a qualquer custo os resultados de uma década, agora, em poucos meses.
E uma última razão que se destaca, é o fato de que algumas inovações não são nossas aliadas. Literalmente elas vão na contramão de nossa visão de vida, ou, de nossas crenças sobre como desejamos tal realidade.
Vejo que um exemplo muito próximo disso são os restaurantes que, antes de novembro de 2019, investiam porcentagens significativas das receitas para trabalhar a decoração de seus ambientes, a partir do pressuposto de que os clientes sempre viriam até ao prédio do restaurante.
Não tiveram o movimento de imaginar que um restaurante poderia atuar escondido / fechado ou mesmo provendo o encontro de seus clientes dentro das casas desses próprios clientes. O segmento carecia da visão do delivery total.
Kahneman nos alerta para o fato de que, na maioria das vezes, buscamos nas circunstâncias por indícios, mesmo que supersticiosos, para comprovar a nossa concepção de realidade atual. Se necessário for, mentimos para nós mesmos, com o propósito de se apegar ao atual e conhecido.
Concluindo, vemos que essas são algumas razões bastante plausíveis para explicar os motivos para que as técnicas que carreiam inovações passem por caminhos tortuosos antes de se estabelecerem.
O desafio para nós gestores da mudança resiliente é aprender a olhar o futuro com a mente resiliente – o pensar estratégico, em outras palavras, com olhos “mareados de amanhã”. É aprendermos a encarar as atuais limitações como um “estágio” em nosso desenvolvimento e que serão, com certeza, supridas.
George Barbosa
http://sobrare.com.br/
Leituras complementares:
1. Ray Kurzweil e seus artigos
2. Daniel Kahneman – particularmente seu livro: Rápido e Devagar – duas formas de pensar da Editora Objetiva.
Confira também: Ações simples e a Ética durante o isolamento da COVID-19
Participe da Conversa