Quantas pessoas você conhece, talvez intimamente, que vivem buscando disfarçar ou até mesmo ignorar as tristezas, carências e necessidades, com isso se agredindo e ainda, como consequência, sendo intolerantes com o outro, sendo agressivas, julgando, avaliando ou criticando?
Isso faz com que busquem desesperadamente alguém para suprir aquilo que só elas podem dar a si mesmas, e reclamem sem parar.
Como seria sua vida se você pudesse prestar atenção na violência que exerce de forma inconsciente sobre si mesmo e o outro? É essa ausência de consciência que nos faz violentos, apesar de muitos não concordarem.
A consciência é o núcleo da mente. Se formos mais conscientes, poderemos nos relacionar com menos violência, a começar por nós mesmos.
A violência a que me refiro não é a física, mas a sutil, podendo ser moral, psicológica, hierárquica ou institucional, sendo mais comum do que você pode imaginar. Essa violência se manifesta de forma inconsciente no dia a dia. Podemos observar isso o tempo todo em palavras que ferem, dividem, julgam, rotulam, avaliam ou opinam. Daí a importância de exercitarmos a consciência para sairmos do piloto automático.
O convite da CNV – Comunicação Não Violenta é que façamos contato com nossos sentimentos e necessidades para que possamos compreender mais a nós mesmos e ao outro e, dessa forma, seguirmos no sentido de termos menos conflitos.
Com o advento da tecnologia, a velocidade das comunicações aumentou, porém a qualidade da comunicação caiu bastante, tornando as pessoas mais solitárias do que antes. Isso pode ser observado a cada instante e em todos os lugares.
Só para ilustrar, eu estava almoçando com meu marido num domingo e à nossa volta havia pelo menos quatro famílias – pai, mãe e filhos, um adolescente e uma criança. Todos utilizavam o celular ou tablet, e ninguém se comunicava. A comida foi colocada e as pessoas comiam olhando seus eletrônicos. Nenhuma conversa acontecia. Eu conversava com meu marido e percebi um olhar fixo em mim; fui buscar e vi que a criança que estava nessa mesa olhava para mim com um olhar muito triste, o que me tocou profundamente, pois tenho uma neta de quase 3 anos. Ela se voltou para a mãe e tentou puxar uma conversa; a mãe respondeu sem ao menos levantar o rosto do celular. Minha intenção, aqui, é apenas estimular uma reflexão sobre algo que anda acontecendo no mundo com o uso da tecnologia sem limites e disciplina, pois não tenho o direito de julgar esses pais.
Outro exemplo, é a forma como a escrita tem sido utilizada nas mensagens eletrônicas – abreviações, mensagens truncadas –, gerando interpretação dúbia ou sem contexto, porque o outro não tem ideia do que pode ser.
O quanto perdemos de nossa essência (nosso SER) por acreditarmos que estamos desperdiçando tempo se não estivermos conectados? O quanto perdemos por nos expressarmos de forma rápida e muitas vezes no piloto automático? A expressão e a escuta foram substituídas por um punhado de mensagens, muitas vezes ininteligíveis. A expressão e a escuta estão sendo fechadas dentro das pessoas e com isso medos surgem cada dia mais fortes.
Para onde está indo o verdadeiro relacionamento?
Algum tempo atrás, uma amiga me fez uma pergunta que me fez parar. “Você já percebeu que as pessoas não ligam mais umas para as outras para desejar feliz aniversário, mesmo para familiares e amigos”? Agora se mandam mensagens, porque são mais rápidas e não é preciso fazer contato auditivo ou pessoal; muitas vezes as pessoas receiam expressar-se porque acreditam que não sabem fazê-lo. Claro, tem o lado positivo de que mais pessoas podem desejar felicidades; às vezes elas estão longe, em outro estado, país, etc. Mesmo assim, acaba-se criando um distanciamento.
Olhando por essa perspectiva podemos perguntar o quanto estamos abrindo mão de nós mesmos em prol do outro?
Ao longo de nossa vida aprendemos – com nossos pais, mentores, familiares e amigos – a olhar para os sentimentos e necessidades do outro, porque assim seremos aceitos; mas com frequência nos esquecemos de nós mesmos. Ensinar as pessoas a lidar com seus sentimentos e necessidades, a olhar para dentro de si mesmas não faz parte da educação, isto porque quem ensina também não sabe lidar com seus próprios sentimentos e necessidades.
Chega um momento que essa forma de agir acarreta uma série de problemas na vida da pessoa; por exemplo, torna-se tímida, tem dificuldade de tomar decisões e fazer escolhas, não tem autoestima, autoconfiança, receia expressar opiniões, tem dificuldade em comprometer-se com algo por não se sentir capaz, torna-se uma pessoa triste e por aí vai. E passa a vida inteira buscando fora o que está dentro dela – e só ela pode se salvar.
Também aprendemos a ser lógicos e racionais, com quase nenhuma habilidade para lidar com as emoções, como já coloquei acima. Por isso, hoje temos vários cursos de inteligência social, regulação emocional, mindfulness, para que possamos aprender o que deveríamos ter aprendido na infância.
No livro Deixe de ser bonzinho e seja verdadeiro, Thomas D’Ansembourg observa quatro características de funcionamento mental:
- juízo de valor, rótulos e categorias, ou seja, eu nem conheço a pessoa já a julgo pela aparência, por exemplo, coloco-a em definições e categorias pré-concebidas;
- preconceitos, crenças estabelecidas e automatismos, ou seja, colocações a respeito das pessoas, sem que ao menos tenhamos tido uma experiência com a situação, mas que assumimos como certas porque outras pessoas disseram. Por exemplo, mulher dirige mal;
- polaridade, ou é isso ou é aquilo, ou é certo ou é errado, é bom ou é mau, é perfeito ou imperfeito etc. É a grande armadilha da dualidade. Esquecemo-nos de que o ser é dotado de infinita escolha, infinita possibilidade e infinita criação. É importante que nos permitamos ter um novo olhar;
- linguagem que isenta de responsabilidade. A coisa mais comum é culpar os outros, o governo etc. por nossos sentimentos e escolhas. Estive numa aula em que uma aluna disse que não era feliz porque tinha que ir para um trabalho do qual não gostava e tinha de ir para a escola, da qual também não gostava; porém não fazia nada para mudar, porque acreditava que não era responsável por sua situação. Outra coisa que escuto é: “Eu não posso fazer nada; sou obrigado a ir; não tenho escolha; não pude fazer diferente”. Isso é fugir da própria responsabilidade.
Como é difícil assumir a responsabilidade pelo que sentimos e fazemos! Mais fácil é lançar sobre o outro a raiva, a ira ou a fúria por nossa frustração! Nesses casos, conto a história do Ladrão de Carteira no campo de concentração do Gulag. Nesse contexto, vou deixar uma pergunta para sua reflexão:
Você é vítima ou protagonista de sua história?
O ser humano tem o hábito de separar os sentimentos e emoções do corpo, porque foi isso que aprendeu.
Uma das frases que escutamos quando crianças, adolescentes ou adultos é que não é bonito pensar em nós mesmos, que isso é ser arrogante, que o certo é pensar nos outros.
Quantas vezes você ouviu alguém dizer que era feio sentir tristeza quando tinha tudo na vida? Quantas pessoas passam fome, não têm onde morar etc.? Você precisava apenas de um consolo, um colo para poder se acalmar, e o que vem é uma grande culpa; daí começa um autojulgamento e condenação. Dessa forma, você reprime os sentimentos que estavam lá no fundo da alma e do coração e aprende a ser bonzinho, mas não é verdadeiro.
Várias pessoas levam a vida, sentindo raiva e sem fazer nada para mudar; outras permanecem tristes e melancólicas; e outras, ainda, são revoltadas com tudo e com todos e não encontram paz interior.
Quando você pensa ou se preocupa somente com os outros, esquece da pessoa mais importante: “VOCÊ”.
Como você poderá amar alguém se não amar a si mesmo? Como vai aceitar o outro se não aceitar a si mesmo? Como deixará de julgar o outro e se julga a si mesmo a todo o momento?
Conforme aprendemos a identificar e diferenciar nossos sentimentos e necessidades, passamos a ter mais respeito por nós mesmos. Os sentimentos e as necessidades são como o painel de um carro, que acende luzes assinalando que algo não está funcionando, que é preciso parar e fazer uma revisão.
Por termos dificuldade para expressar sentimentos, desejo propor um desafio a você. Liste pelo menos cinquenta sentimentos diferentes e poste nos comentários. Depois farei uma lista única e pedirei para a Cloud Coaching publicar.
Bibliografia
ROSENBERG, M. B. CNV – Comunicação Não Violenta. 3 ed. São Paulo: Ágora, 2006.
D’ANSEMBOURG, T. Deixe de ser bonzinho e seja verdadeiro. Rio de Janeiro: Sextante, 2013.
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