Os Crimes da Cultura de Resultado: Vale Tudo pelo Sucesso?
A busca incessante por resultados e pressão por desempenho financeiro muitas vezes ultrapassando os limites éticos. Esse é o nosso mundo corporativo contemporâneo, mas a pergunta que trago é: será que precisa ser assim? Não existe outro modelo de gestão diferente e que também entrega resultado?
O caso da Americanas é o exemplo mais recente de como a cultura de resultado pode favorecer práticas fraudulentas, levantando questões fundamentais sobre o preço do sucesso empresarial e individual. Será que vale tudo para uma empresa alcançar o sucesso? Qualquer preço é justificável para o sucesso individual dos executivos?
A Enron, empresa americana de energia que entrou em colapso em 2001, é outro exemplo clássico. A Enron incentivava práticas contábeis fraudulentas para inflar artificialmente seus lucros, resultando em um dos maiores escândalos corporativos da história. A Wells Fargo, em 2016, uma gigante bancária dos EUA, criou milhões de contas fraudulentas sem o conhecimento dos clientes para atingir metas agressivas de vendas. A pressão por resultados levou à criação de uma cultura onde os funcionários sentiam-se obrigados a recorrer a práticas antiéticas para cumprir objetivos.
Essa cultura de resultado a qualquer custo é um problema muito maior, e, infelizmente, a Americanas é apenas mais um nome em uma lista que já deveria ter parado de crescer.
Quando o sucesso é o único objetivo e os sistemas de recompensa reforçam isso, os meios para alcançá-lo se tornam menos importantes, fazendo com que a ética e a integridade sejam, de fato, sacrificadas em nome do lucro e do crescimento.
A cultura de resultado é caracterizada por uma pressão intensa por desempenho que valorize ações e gere dividendos. Em um ambiente assim, sobra muito pouco espaço para pensar em como contribuir para a sociedade ao redor. No ambiente corporativo atual, muitas empresas adotam uma meritocracia impiedosa, onde os resultados são a principal medida de sucesso. Essa pressão pode ser avassaladora, incentivando práticas questionáveis para atender às expectativas do mercado. Já falamos aqui de situações extremas, colaboradores expostos a situações vexatórias, de qualidade mínima de vida e até de empresas usando mão de obra em situação análoga à escravidão. Tudo isso, para maximizar os lucros.
O escândalo financeiro que envolveu a Americanas revelou a extensão dos danos causados por essa cultura de resultado.
As investigações conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público revelaram que a fraude na Americanas seguiu padrões já conhecidos de grandes escândalos do passado. A revista Veja fez um paralelo com a teoria proposta pelo criminologista americano Donald Cressey em 1953. Cressey argumentou que toda fraude é causada por três fatores interligados: pressão, racionalização e oportunidade.
No caso da Americanas, a pressão para apresentar bons resultados financeiros era imensa. Isso levou a um ambiente onde qualquer meio era justificado para atingir as metas estabelecidas. A busca incessante por desempenho financeiro levou a práticas contábeis enganosas que mascaravam a verdadeira saúde financeira da empresa. Quando o rombo foi revelado, já estava na casa dos bilhões.
Sobre a racionalização, é uma forma de autoengano que permite que os criminosos se vejam como vítimas das circunstâncias, ao invés de perpetradores de fraude. Sempre dá para jogar a culpa para cima, quando toda a empresa está mergulhada em uma cultura de resultados. Todos sofrem pressão e, por isso, deixam de se ver como aqueles que de fato estão cometendo um crime, e se justificam como “cumprindo ordens”. A História está cheia de exemplos do Mal (com maiúscula mesmo). Além disso, quando pressionados por resultados inatingíveis, os indivíduos podem facilmente se convencer de que a manipulação de dados é a única saída viável.
E aí temos a oportunidade. O inquérito da Polícia Federal destacou que os executivos envolvidos detinham amplos recursos e apoio para manipular informações financeiras, o que contribuiu para a magnitude do escândalo. A falta de controles internos rigorosos e uma governança corporativa complacente permitiram que a fraude crescesse e se multiplicasse.
Além desses fatores, a meritocracia, muitas vezes promovida como um sistema justo onde o sucesso é alcançado através do esforço individual, costuma ser um ótimo caminho para justificar práticas antiéticas.
Para evitar isso, as empresas precisam reconhecer a importância de equilibrar a busca por resultados com princípios éticos sólidos.
E é aqui que entra a importância de uma cultura organizacional com valores, comportamentos e códigos bem claros, sobre o “como iremos alcançar os resultados” e o “que não será aceitável”. Quanto mais claro os significados da direção por resultados tivermos, mais fácil será para as pessoas evitarem se desviar por caminhos não alinhados com a cultura.
Em vez de uma cultura de resultado a qualquer custo, precisamos de uma cultura de responsabilidade e transparência.
Isso significa que os líderes e executivos precisam ser honestos sobre seus erros e falhas, e que os funcionários devem se sentir seguros em denunciar irregularidades sem medo de retaliação. Os controles internos precisam ser eficazes, é preciso haver transparência. Executivos e líderes empresariais devem ser, sem dúvida, responsabilizados por suas ações, e isso deve valer para o bem e para o mal.
Há muitos casos de empresas que entregam resultados, mas o fazem com responsabilidade e sustentabilidade. A pesquisa Melhores para o Brasil da Humanizadas já evidenciou que essas empresas, conhecidas como “Empresas Humanizadas”, não apenas alcançam resultados financeiros superiores, mas também criam um impacto positivo significativo na sociedade e no meio ambiente.
Empresas que adotam práticas humanas e sustentáveis tendem a superar o desempenho de seus pares no mercado. Elas têm maior rentabilidade, resiliência em crises e melhores resultados a longo prazo. Empresas humanizadas têm níveis mais altos de engajamento, satisfação e retenção de funcionários. Isso se traduz em maior produtividade e inovação, impulsionando ainda mais os resultados.
Essas empresas mantêm uma relação de confiança e lealdade com seus clientes, o que se reflete em maior satisfação e fidelização, além de uma maior propensão a recomendar a empresa a outros. São empresas que não se concentram apenas no lucro, mas também no bem-estar da comunidade e na preservação do meio ambiente. Elas desenvolvem práticas sustentáveis que não apenas reduzem impactos negativos, mas também criam valor social e ambiental.
Um dos pilares das empresas humanizadas é a clareza e autenticidade de seu propósito. Elas alinham suas operações e estratégias ao seu propósito, o que guia suas decisões e reforça sua identidade perante todos os stakeholders.
A ética e a integridade devem ser valores fundamentais em qualquer organização, e não apenas um discurso vazio. Somente dessa forma poderão evitar erros e crimes que não apenas prejudicam sua reputação, mas também causam danos significativos aos seus stakeholders e à sociedade como um todo. É só pensarmos em todos os fornecedores prejudicados, empresas que, de fato, cumpriram seus contratos com a Americanas, entregaram seus produtos e não receberam. Algumas, por isso, precisaram dispensar funcionários. É uma reação em cadeia.
É só uma pena que “cadeia”, no sentido de uma punição justa, não seja uma opção real para muitos dos responsáveis, o que pode influenciar na resposta à pergunta: vale tudo pelo sucesso a qualquer preço?
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Quer entender mais sobre a cultura de resultado, como a busca pelo sucesso a qualquer preço custo pode levar a práticas antiéticas e como sua empresa pode evitar esse caminho? Então entre em contato comigo. Terei o maior prazer em responder.
Marco Ornellas
https://www.ornellas.com.br/
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