Durante muito tempo (e até hoje, em alguns locais), o povo conviveu com as figuras dos monarcas e dos imperadores. Uma vez que, por serem símbolos do Estado, gozavam de grande poder e prestígio, tinham certas facilidades para satisfazerem suas vontades e possibilidades. Desta vida praticamente ilimitada, vários imperadores tiveram existência muito notáveis, podendo, mesmo depois de vários séculos, nos passar ensinamentos e mensagens extremamente válidos. Um destes casos, certamente, é a reflexão sobre a oposição entre o amor próprio e o amor ao próximo.
Para começar a discuti-lo, cabe a apresentação do nosso primeiro monarca: César Bórgia. Líder da região de Valéncia, na futura Itália, era conhecido por ser extremamente calculista e violento, não poupando meios para alcançar seus desejos de glória e fama. Em uma famosa história, Bórgia, ao saber que uma família local tramava contra ele, convidou-os para um jantar e, após o mesmo, jogou todos ali presentes para as feras. Após o massacre, retomou o poder mais forte do que nunca.
Anedotas como estas demonstram a doença de Bórgia: o egoísmo patológico, não levando em conta valores ou as ambições alheias, intentando apenas ser servido. Com uma conduta do tipo, atraem-se inimizades e má-fama para si. Não é necessário ser um italiano despótico para padecer disto: no mesmo barco que César, repousam o empresário inescrupuloso, o político corrupto e o amigo infiel. Em todos esses casos, cria-se uma sociedade em que não há mais boas amizades ou companheirismo, apenas laços de interesse. Uma sociedade ou não se morre tranquilo no leito, mas assassinado ou sozinho, vislumbrando a mediocridade do que foi construído em vida e o legado de morte deixado na Terra. O final de César confirma: só, doente e miserável. A pestilência dos malfeitores é conviver com seus iguais.
Busquemos alguém contrário a este tirano, portanto: D.Pedro II, o último imperador brasileiro e o segundo que iremos analisar. Sua biografia política começa após a ascensão ao trono com quatorze anos, em meio à ameaça de guerra civil e separação do país em várias províncias. Frente a isso, o jovem imperador foi obrigado a pautar sua vida nos interesses da nação: casou com uma mulher que não amava, a fim de aproximar o Brasil com as monarquias europeias; deu festas que odiava com o propósito de aumentar o prestígio da coroa; negou, após a proclamação de república em 1889, uma farta poupança (150 milhões anuais, em valores atuais!), com o propósito de não lesar o país. Enfim, ao invés de ser servido como César, D.Pedro II serviu com sua própria vida.
Os resultados são dúbios: no campo público, fez do país o Império mais próspero das Américas, sendo respeitado e admirado internacionalmente; no privado, no entanto, D. Pedro II se destacava por ser notavelmente soturno e infeliz. Em overdose de amor patriótico, padeceu da falta de amor próprio. Esta doença de nosso imperador se mostra presente em muitas almas. São boas esposas para seus maridos, bons filhos para seus pais, bons companheiros para seus amigos… Mas não são nada para si mesmas. Suas felicidades existem em função e por meio do outro, de modo que, quando ele não está presente, cria-se o vazio existencial e a angústia de estar vivo. Nota-se que, de fato, não se é nada. Se até o maior brasileiro de todos os tempos sentiu isso, por que achar que não acontecerá conosco, também?
Com este dois monarcas nos mostrando extremos de conduta, o egoísmo destrutivo e o altruísmo infeliz, devemos ponderar nossas ações para, como em uma reação química, haver uma mistura de ambos, neutralizando seus efeitos nocivos e potencializando os seus positivos.
Para isto, cabe ao indivíduo fixar quais são os alicerces de sua vida, os pontos mais importantes e que, na ausência deles, a felicidade é impossível. Exemplos podem ser a liberdade e a família. Uma vez feito isso, deve-se, como César, fazer de tudo para preservá-las. É assim, pois não há nenhuma regra moral que possa obrigar o indivíduo a ser infeliz. No cerne de todo ser humano, há o direito natural pela boa vida.
No entanto, a fim de manter a boa convivência com nossos iguais e a própria manutenção da sociedade, cabe ao exemplo de D.Pedro II, a valorização do bem-estar do outro e o trabalho para que mais pessoas possuam uma existência valiosa. Sem isso, há a certeza de uma sociedade maléfica e impossível de se viver. Sem o ambiente correto, o ser humano é manco e limitado.
Nosso terceiro monarca é uma boa ilustração deste equilíbrio: é Alexandre, o Grande, rei da Macedônia. Como Bórgia, tinha desejo por ser imortalizado e perseguiu isso com unhas e dentes: seu império se estendeu do Egito ao Oriente, unindo as culturas egípcias e gregas com elementos orientais, no chamado helenismo. No entanto, tinha uma consciência a la D.Pedro II: era cordial com os povos dominados, permitindo que eles continuassem com suas culturas, crenças e deuses, o que gerou grande aceitação à Alexandre; era, apesar de seus poderes quase divinos, respeitoso com seus soldados, família e mesmo cavalo (o famoso Bucéfalo!), conseguindo angariar a admiração de todos por sua sabedoria e atitudes justas; de fato, sua personalidade e vontade eram tão inabaláveis que seu Império só caiu… Após sua morte! Vislumbre a grandeza disto: o maior império antigo foi criado sob a sombra de um homem.
Sendo assim, vemos que, apesar de estarmos separados por vários séculos, os três monarcas citados podem nos auxiliar no dilema moderno de equilibrar amor próprio com o amor ao próximo. Realizando isto, podemos promover a felicidade própria e a coesão social, conseguindo uma vida mais plena e significativa. Consigamos interiorizar César Bórgia, D. Pedro II e Alexandre, o Grande, nos tornando, por fim, nossos próprios imperadores.
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