Filha do medo, a raiva é mãe da covardia
Chico Buarque tem muitos versos geniais, mas poucos dão conta de resumir tão bem o que acontece na nossa sociedade como o que dá título a esse artigo.
O medo é frequentemente utilizado na política para influenciar a opinião pública e consolidar poder, criando ou amplificando ameaças externas ou internas, como imigração, terrorismo e crises econômicas.
Políticos usam retórica emocional, manipulação da mídia e desinformação para incitar medo, dividir a sociedade e justificar políticas autoritárias. É uma estratégia perigosa, que busca diminuir a confiança nas instituições e também os direitos civis, aumentando a discriminação e polarizando a sociedade, com consequências negativas a longo prazo para a coesão social e a saúde democrática.
Uma saúde que parece cada vez mais combalida, em grande parte do mundo. Principalmente porque com o medo, vem a raiva. Desenvolvemos ódio por aquilo que nos amedronta. Politicamente, existem espantalhos recorrentes que são sempre usados para criar pânico e manipular a sociedade.
Basta ver qualquer manifestação aqui no Brasil, onde sempre se encontram pessoas com um discurso desencontrado, babando ódio contra o fantasma do comunismo, sempre, e contra o alvo da vez, que varia de acordo com a conveniência de quem incita a manifestação.
Lá fora, a Europa tem testemunhado o crescimento de partidos e movimentos de extrema-direita, o que ficou bem claro nessas ultimas eleições para o parlamento europeu. Este fenômeno, impulsionado por diversos fatores sociais, econômicos e políticos, tem gerado um impacto profundo nas políticas de diversidade e inclusão, não só lá, mas no mundo todo.
Os discursos desses partidos são sempre xenófobos, racistas e homofóbicos. A estratégia é instilar o medo do diferente, sejam dos imigrantes que trazem outra cor de pele ou religião, ou daqueles que têm uma sexualidade que não se encaixa no que uma visão estreita enxerga como “normal”.
Direita, centro e esquerda são posições válidas dentro de qualquer sociedade. Mas sempre que vamos para qualquer um dos extremos desse espectro, começam os problemas. E o avanço da extrema-direita, no mundo e no Brasil, tem que ser visto assim. Mais até do que um problema, é uma crise que pede o nosso posicionamento. Caso contrário, pautas extremamente necessárias vão enfrentar um retrocesso enorme. E isso já começou a acontecer.
Governos influenciados pela extrema-direita tendem a reduzir o financiamento de programas destinados à promoção da diversidade e inclusão. Projetos que visam apoiar minorias, promover a igualdade de gênero e combater a discriminação são frequentemente os primeiros a sofrer cortes orçamentários. A ascensão da extrema-direita na Europa pode ser atribuída a várias causas interligadas. A crise financeira de 2008 e a austeridade econômica que se seguiu criaram um terreno fértil para o descontentamento social.
Muitos eleitores, desiludidos com os partidos tradicionais, começaram a apoiar partidos de extrema-direita que prometiam soluções rápidas e radicais. Esse deveria ser o primeiro sinal de alerta, mas o ser humano tem sempre uma tendência a acreditar em qualquer coisa que prometa uma solução imediata para seus problemas.
A crise migratória é o campo que a extrema-direita tem explorado com habilidade. A chegada de refugiados, principalmente do Oriente Médio e da África, exacerbou sentimentos nacionalistas e xenófobos, tudo isso fruto do medo.
Vários partidos capitalizaram esse medo, propagando a ideia de que a imigração representa uma ameaça à identidade cultural europeia no geral e ao emprego de cada um no particular. Tudo isso gera medo e, quando há medo, há reação. Em Portugal, um país tradicionalmente visto como não sendo campo de extremismos, teve recentemente um caso com imigrantes árabes, atacados por grupos armados de bastões.
Como em toda a Europa, o tema é dominante em qualquer eleição. Há uma previsão de que, até 2050, o continente receba 250 milhões de refugiados. Isso é mais do que a população do Brasil, um número enorme, pronto para ser manipulado para criar um verdadeiro terror entre a população.
Para defender o continente contra o que classificam como uma invasão, movimentos de extrema-direita têm se apresentado como defensores das tradições e valores nacionais contra essas supostas ameaças externas. A questão é que essa atitude só piora tudo.
A agenda anti-imigração promove um ambiente hostil para minorias étnicas e religiosas. Políticas mais rigorosas nesse sentido e a retórica xenófoba dificultam a integração de imigrantes e refugiados, criando divisões sociais profundas. Continuando nesse caminho, o problema só vai aumentar
E essa questão não vai demorar em ganhar mais relevância por aqui.
O Brasil aumentou o número de aprovações de pedidos de asilo político, o que fez a quantidade de refugiados no país crescer 117% entre 2022 e 2023. Um prato cheio para que nossos políticos explorem o medo.
Em outra frente, a extrema direita muitas vezes se opõe aos direitos LGBTQIA+, promovendo políticas conservadoras que restringem o reconhecimento legal e os direitos dessas comunidades. A oposição ao casamento igualitário e às leis antidiscriminação são exemplos claros dessa tendência. A ascensão da extrema-direita fomenta uma cultura de intolerância e divisão. A normalização do discurso de ódio e da discriminação, muitas vezes legitimado por figuras políticas, leva então ao aumento de crimes de ódio e à marginalização de grupos vulneráveis.
E não é outra a causa de sermos o país recordista em assassinato de pessoas trans. O medo está na palavra, transfobia, que gera a raiva que vai causar a violência, sempre com covardia. Na maioria dos casos, pessoas trans assassinadas por grupos armados, sem a menor chance de defesa. Mais que um verso, Chico Buarque criou uma equação que explica esse movimento. Não dá mais para ignorar métodos e retóricas extremas. Essa é mais uma batalha que começa e que não podemos ignorar.
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Marco Ornellas
https://www.ornellas.com.br/
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