E a Cultura continua engolindo a Estratégia…
Em novembro de 2020, publiquei um artigo para comentar os acontecimentos da morte de João Alberto Silveira Freitas no estacionamento do Carrefour. Na ocasião, trouxe algumas questões: quantas empresas ainda têm dificuldade em ajustar as palavras de seus Valores às suas Práticas, Políticas e Ações? Quantas empresas têm coerência entre sua Estratégia e sua Cultura? Clientes destratados, funcionários humilhados, descaso com meio ambiente, fornecedores desrespeitados e esfolados em mesas de negociação, preconceitos e inclusão inexistente. Além disso, pactos e compromissos vistos como sem valor e importância ou como uma mera peça de marketing.
Estamos em 2023, e fatos como ocorrido na serra gaúcha, onde trabalhadores, em sua maioria vindos da Bahia, relataram que eram mantidos presos, sem receber salários e sofrendo violência e condições análogas ao trabalho escravo na colheita de vinícolas como Salton, Aurora e Garibaldi, foram denunciados pelo Ministério Público.
Até quando iremos presenciar fatos como esses?
Quando iremos “ajustar o gesto à palavra e a palavra ao gesto” na expressão de Hamlet.
Tenho repetido inúmeras vezes que estamos vivendo uma sociedade doente e que não podemos simplesmente querer adaptar ou ajustar um sistema doente. É preciso ir mais fundo, é preciso mudar a cultura, precisamos reinventar nossas organizações.
Estamos em uma era de ampliação da consciência sobre o que se faz, porque se faz e como se faz, em um novo mundo que não cabe mais falar ou mostrar; é preciso SER.
Cada vez mais, as empresas vão precisar entender a importância de desenvolver uma sensibilidade em relação aos desejos e necessidades dos consumidores, colaboradores, fornecedores, todos do entorno, sendo coerentes com suas ações concretas.
Se entrarmos em diversos sites de grandes companhias, inclusive das empresas citadas, e formos até a área institucional, vamos encontrar declarações de Valores e Propósito, na grande maioria enaltecendo e destacando o cuidado com consumidores e colaboradores, ações de sustentabilidade e cuidado com o planeta. Mas o quanto dessas palavras está presente no dia a dia dessas empresas?
Que VERDADE queremos mostrar verdadeiramente?
Cultura é a maneira como as organizações se posicionam, se comportam, se relacionam, é o conjunto de hábitos e crenças estabelecidos através de normas, valores, atitudes e expectativas compartilhados por todos os membros da organização. A essência da cultura de uma empresa é expressa pela maneira como ela faz seus negócios, a maneira como ela trata seus clientes e funcionários, se relaciona com o mercado, a maneira como ela escolhe e se relaciona com seus fornecedores. Cultura é algo que a empresa É e não algo que ela TEM ou DIZ TER.
Em várias reportagens, as empresas Salton, Aurora e Garibaldi comentaram terem sdo surpreendidas com a notícia de trabalho escravo em suas cadeias de produção. Como assim surpreendidas? Com qual critério essas empresas escolhem seus fornecedores? Somente pelo valor, proposta com menor preço? Ou por critérios coerentes com seus valores e práticas?
Ou estamos diante de uma apresentação fake, mostrar ao mundo frases de impacto, mas não verdadeiras ou estamos diante de uma organização desconectada entre o que acredita e o que de fato pratica.
Uma empresa consciente tem um propósito maior, que vai além da sua estratégia de resultados.
Ela tem uma cultura e uma liderança conscientes e consciência aqui me refiro ao conceito do Tao. Porque tudo está impregnado de vida em oposição às patologias, à burocracia, ao estresse, à exaustão, ao ressentimento, à competição e à rivalidade.
A 53ª edição do Fórum de Davos, reuniu líderes, economistas, investidores e empresários mundiais para debater importantes questões sobre a economia global e a cooperação em um mundo cada vez mais fragmentado. Ao mesmo tempo que acentuou o senso de urgência e a importância de respostas para lidar com os principais desafios globais, reforçado pelas palavras de Raj Sisodia em uma conversa que tivemos em março de 2021 para meu livro Ensaios por uma Organização Consciente.
“Acho que temos que acordar e fazer parte da abordagem dos maiores desafios que enfrentamos. Este planeta é um sistema e estamos todos conectados, cada um de nós tem um papel a desempenhar. As empresas têm que assumir uma compreensão mais ampla do seu papel. É sobre o seu impacto no mundo e na sociedade. A menos que os negócios mudem urgentemente, não teremos futuro!
Sabemos que caminho tomar, sabemos o que temos que fazer. Temos que incluir o meio ambiente à sociedade como partes interessadas. Temos que ter líderes apaixonados por esses temas, não apenas focados em ficar ricos e acumular poder”.
Na mesma linha não basta repudiar esse ou aquele ato. Precisamos ser anti esses atos, precisamos agir em todo o entorno e intencionalmente, do contrário a cultura irá engolir a estratégia.
Se não mudarmos as entranhas da cultura e das crenças mais profundas, os compromissos por mais que sejam explícitos não serão colocados em prática. Pessoas, estrutura, processos, tecnologias, estão a serviço da cultura e não das intenções muitas vezes rasas e marqueteiras de frases bonitas.
Apesar de otimista, eu acho que ainda serei surpreendido e me sentirei envergonhado com os acontecimentos que estão por vir.
Gostou do artigo? Quer discutir mais sobre por que a cultura continua engolindo a estratégia e a importância de mudar tal cultura nas organizações e torná-las conscientes de seu propósito? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em responder.
Até o próximo artigo!
Marco Ornellas
https://www.ornellas.com.br/
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