A cada sete anos, em média, o nosso ciclo de amizades se altera totalmente. Tente aplicar esse fato a você. Massageie sua mente e tente lembre seus amigos do passado – talvez do João, que fez faculdade com você e era seu parceiro do bar, ou do Beto, do RH, famoso pelas boas piadas. Apesar de a maioria deles nos ter dado boas e valiosas lembranças, eles, agora, sete anos depois, não possuem substância além disso: são apenas memórias de uma era: A esquecida. O tempo, como faz com tudo, também sodomiza os laços fraternos.
Se são considerados os motivos para tal extinção das antes tão boas relações, logo vem à mente aquele tipo de ruptura trágica: uma agressão, uma mentira absurda, uma dívida não paga ou qualquer mancada do gênero. Comumente, esse tipo de término, justamente por ser de surpresa e com muita intensidade, tende a ser o mais traumático e, pois, aquele que mais é lembrado. No entanto, quando se considera as muitas amizades que se foram ao longo da vida, logo se vê que a imensa maioria não se encaixa nessa descrição: são antes uma chama que gradualmente se apaga do que uma explosão abrupta e catastrófica. De fato, terminam naturalmente, sem nenhuma razão muito óbvia e explícita. Então, quais seriam os motivos para esses términos silenciosos de nossas tão queridas companhias?
Para determinar isso, faz-se necessário uma análise sobre as principais características da amizade. Felizmente, para nos poupar tempo, isso já foi feito há alguns séculos atrás: em seu ensaio ‘’Da Amizade’’, o filósofo francês Michel de Montaigne, escrevendo em razão da morte de um amigo querido, expõe-nos o que, para ele, define uma relação de amizade.
Das três características citadas por Montaigne, a primeira é a Liberdade. Para demonstrar como isso é presente, vamos pensar em um exemplo contrário: as relações familiares. Neste tipo de relação, está-se sempre preso por laços sanguíneos e hereditários, ainda que não haja grande desejo de manter a relação. Em exemplo, não importa o quanto você o odeie ou queira se afastar de seu pai: ele, independentemente da sua vontade, continuará a ser seu pai. Nas amizades, ao contrário, se não há o amor pelo outro, ou a vontade de permanecer se relacionando com ele, nenhum laço persiste unindo as duas almas. Sendo assim, manter ou não um amigo é essencialmente um ato de liberdade e, como tal, dependente apenas dos desejos de cada um de nós.
A segunda essência do amor fraterno é a suavidade. Em suma, tem-se, muito comumente, que os sentimentos envolvidos entre dois amigos não são intensos ao ponto de serem incontroláveis ou, pior, nos controlarem. Por isso mesmo, pode-se lidar com a amizade de forma mais racional e distanciada, permitindo decisões mais refletidas e sensatas. Como comparação, vale dizer que este não é o caso, por exemplo, do amor erótico: aqui, tudo é incandescente e extremado, com cada mensagem não respondida ou frase mais fria se transformando em um inferno de discussões e problemáticas. Amor é fogo, amizade é faísca.
Por fim, o terceiro elemento de ter um amigo é o companheirismo e dele, a dedicação. Realmente, Aristóteles vai longe ao ponto de dizer que a amizade é uma única alma habitando dois corpos, tamanha é a força da proximidade entre dois companheiros. Apesar de essa característica ser evidente, há um corolário pouco comentado sobre a proximidade envolvida na amizade: ela demanda uma dedicação e esforço enorme de ambas as partes. De fato, embora a afeição que temos por alguém seja em grande parte natural, a manutenção dela não o é: devemos separar uma parte de nossa rotina para ouvir as aflições e alegrias do amigo, outra para encontrá-lo pessoalmente e trocar abraços e uma terceira para falar besteiras. Caso contrário, a amizade não persiste. Demanda tempo, portanto.
Agora, quando se une liberdade, suavidade e dedicação, torna-se muito claro qual a razão daqueles términos silenciosos dantes comentados. Veja: conforme se avança pela vida, é comum que nossas esferas de interesse e valores aumentem. Pense sobre: inicialmente, preocupávamos apenas com o leite de nossas mães e, eventualmente, com fraldas. Depois, houve os desafios da educação infantil, como aprender a ler e pintar dentro da borda. Disto, e algumas décadas depois, passou-se para o pagamento de contas, a manutenção do bem-estar do corpo, o tempo perdido no transporte público, na qualidade da comida e da vida sexual. Wow!
É inserido nesse contexto caótico que estão nossas amizades. Então, com o tempo e a energia diminutos, precisamos ter uma organização primorosa para mantermos o contato com nossos amigos. Mais do que isso, deve-se notar também que, ao longo do tempo, nossos interesses e personalidade se alteram e, muitas vezes, distanciam-se dos gostos dos nossos antigos companheiros; desta forma, também deve haver mais esforço para se ter boas conversas e encontros, porquanto as almas não mais se entendem naturalmente como no passado. A dificuldade em manter uma amizade cresce exponencialmente com o tempo, vê-se.
Nessa situação, em que manter a relação é uma espécie de peso, tem-se a opção de se ausentar, deixar a vida da pessoa e, calmamente, terminar a amizade. Ora, certamente não há nenhuma obrigação ou força externa nos prendendo ao nosso companheiro; afinal, a amizade é livre. Ademais, provavelmente nenhuma punição muito severa ou sentimentos extremos surgirão; afinal, a amizade é suave.
E, assim, como há motivações para o término – a dedicação que se necessita para haver o companheiro – e poucas consequências envolvidas nisso – sem grandes atritos ou forças externas, a tendência de toda amizade é, como a luz do sol abandonando o céu a cada crepúsculo, findar-se.
Afirmar isso, que nossos amigos provavelmente não estarão mais em nossas vidas em um futuro próximo, tem, certamente, uma carga trágica. As lágrimas, por aqueles que foram e pelos os que estão indo, são mais do que necessárias.
No entanto, eu convido o leitor a uma reflexão estimulante: as características da amizade que a levam a se extinguir são precisamente as mesmas que a fazem valer a pena. Ora! Amizade sem liberdade é abuso; amizade sem suavidade é peso; amizade sem dedicação é vazio. Não se pode forçar uma amizade a ser eterna sem tirar o sentido da mesma. Então, se choramos pela ida de nossos amigos, é só porque eles nos preencheram com alegria nos momentos que aqui estiveram. Nossa tristeza é produto da felicidade.
E é com esse sentimento agridoce que findo o texto exaltando meus amigos atuais e os passados, agradecendo-os pelas experiências maravilhosas e, ao mesmo tempo, afastando a tristeza do término. Apesar de efêmera, a presença de vocês em minha vida me marcou eternamente. Amo vocês, bons amigos!
Participe da Conversa