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Reflexão: A Polêmica da Abertura das Olimpíadas de Paris 2024

A abertura das Olimpíadas de Paris trouxe uma apresentação cultural que gerou debates sobre representatividade, diversidade e política. Descubra os detalhes dessa polêmica e como ela abre espaço para importantes reflexões e aprendizado.

Reflexão: A Polêmica da Abertura das Olimpíadas de Paris 2024

Reflexão: A Polêmica da Abertura das Olimpíadas de Paris 2024

Historicamente, as aberturas dos jogos Olímpicos são marcadas pelas apresentações artísticas e culturais do país sede.

Em 2016, o Brasil realizou uma festa com os símbolos do país como a imagem do Cristo Redentor, o carnaval, as baianas, a Amazônia. A coreografia contou a história da formação do Brasil desde os primeiros povos originários, passando ainda pela chegada dos portugueses ao país, a escravidão e posteriormente, dos povos árabes e japoneses nos séculos XIX e XX.

A coreografia mostrou também o surgimento das cidades, com projeções em 3D – até uma réplica do 14-Bis levantando voo no Maracanã e imagens de pontos turísticos do Rio de Janeiro.  A música brasileira marcou presença com ícones como Elza Soares, Paulinho da Viola, Marcelo D2 e Karol Conká. E, claro, as festas tradicionais de diversas regiões do Brasil não ficaram de fora.

No final, o tema do aquecimento global fez uma reflexão sobre as emissões de dióxido de carbono e uma pergunta: “será que tem jeito?”. Com a voz de Fernanda Montenegro, surgiram no telão imagens de ‘uma flor’ que nasce em meio a um terreno árido e pouco fértil. Em seguida, 11.000 atletas entraram com 11.000 sementes que depois foram plantadas no que ficou conhecido como a floresta dos atletas.

Na abertura das Olímpiadas do Japão, cancelada por conta da pandemia e realizada em 2021, houve homenagem à resiliência dos atletas e a sua solidão por treinarem sozinhos em meio ao isolamento imposto pela Covid-19. Depois, o Japão contou sua história e como o país foi reconstruído após a Segunda Guerra Mundial.

Estou contando tudo isso para lembrar que, embora seja um evento esportivo, é inevitável que haja alguma manifestação social, cultural e até política.

Isso porque a abertura é também uma forma de o país sede se mostrar para o mundo e de chamar atenção para algumas questões. E isso aconteceu, e acontecerá, em todas as Olimpíadas, independentemente do país sede.

Como pano de fundo histórico, as Olimpíadas tiveram origem na Antiguidade por volta do ano de 776 a.C. sempre na cidade de Olimpia na Grécia. O evento associado a rituais religiosos em homenagem a Zeus e os deuses da mitologia grega e acontecia a cada quatro anos, por dois meses. Decretava-se então um momento de tréguas de conflitos para que os participantes pudessem chegar até a cidade de Olimpia em segurança. As Olimpíadas tiveram seu fim em 393 d.C.

As Olimpíadas modernas, como conhecemos hoje, foram criadas por um francês, o Barão de Coubertin. A primeira edição aconteceu em 1896, na cidade de Atenas, com a participação de 14 países e 241 atletas, somente homens, uma vez que as mulheres eram, de fato, proibidas até de assistir. Quatro anos depois, em 1900, a França sediou as Olimpíadas por ser o país do seu criador e uma segunda vez em 1924. Não por acaso, ser sede das Olimpíadas de 2024 celebra também a quebra do jejum de 100 anos.

Seguindo a tradição, a França não pouparia esforços para realizar uma belíssima e inesquecível festa de abertura das Olimpíadas, contando também a história daquele país, de seu povo, sua cultura, gastronomia e moda, que são sua grande marca. Uma festa ousada colocando todos os atletas em barcos cruzando o rio Sena, muita luz, nome ao qual a cidade faz jus, e sem dúvida, seguindo seu grande lema de liberdade, igualdade e fraternidade.

Uma festa recheada de símbolos.

Os símbolos que para a semiótica servem para entendermos os processos comunicativos, que na linguística chamamos de signo. Formado por um significante (tudo aquilo que é tangível, perceptível, material) e um significado (tudo aquilo que está no plano do conteúdo, o abstrato, a parte imaterial do signo, uma ideia, um pensamento).

Compreender os signos é entender todas as formas de linguagem (verbais e não verbais). Nesse sentido, tudo é signo, e tudo comunica: palavras ditas ou não ditas, cores, gestos, ruídos, cheiros, sons, notas musicais, desenhos, músicas, ritmos, danças, roupas, acessórios, penduricalhos, objetos … tudo. Imagine então, a quantidade de signos, significantes e significados apresentados na abertura das Olimpíadas. É através da semiótica que podemos compreender, ou tentar compreender a comunicação, os pensamentos e emoções associados a ela.

E será que houve má interpretação da encenação com as drag queens?

Uma performance que teve a palavra FESTIVITÉ em uma das pontes de Paris como uma passarela no centro como se fosse uma mesa onde 17 drag queens assistiam ao desfile com pessoas LGBTQUIA+, com destaque para a DJ e drag queen Barbara Butch, militante feminista e lésbica, com uma coroa de louros na cabeça. Num determinado momento, um prato com uma tampa cloche desce e, quando a tampa é retirada, surge o deus grego Dionísio, o deus do vinho, das festas e da fartura que, na mitologia romana, é simbolizado por Baco, o deus dos bacanais.

A cena causou uma polêmica mundial quando um grupo de religiosos e conservadores atribuiu a uma “falta de respeito” e até uma blasfêmia. Isso porque o grupo acreditou que a encenação fazia uma referência à pintura de Leonardo da Vinci da Santa Ceia. Pintura localizada no refeitório da Igreja Santa Maria delle Grazie em Milão na Itália e pintada entre 1495 e 1498.

A deputada Marion Maréchal, sobrinha da ultradireitista Marine Le Pen, foi às redes sociais pedir desculpas aos cristãos e aí os ultradireitistas e “conservadores” também no Brasil surfaram na onda e atacaram o COI (Comitê Olímpico Internacional). Interessante que na imagem divulgada pelos que compararam ao quadro de Da Vinci apareciam 13 drags e não, 17.

O diretor artístico da cerimônia de abertura das Olimpíadas 2024, Thomas Jolly, negou veementemente ter zombado dos cristãos e, Comitê Olímpico postou no X:

“A interpretação do deus grego Dionísio deixa claro o absurdo da Violência entre seres humanos.”

Os organizadores garantem que foi uma referência à pintura “Festa dos Deuses” de Jan Harmensz de 1635. Obra que está exposta em um museu na cidade de Dijon na França. O que faz mais sentido ainda, uma vez que as Olimpíadas são um evento criado na Grécia por volta de 776 a.c.

A “Festa dos Deuses” é um quadro em homenagem a Dionísio, deus do vinho e das festas. Na imagem, há um banquete com uma mesa posta, coberta por uma toalha branca. Ao redor dela, vários deuses do Olimpo, com destaque para Apolo, deus do sol, que tem uma auréola (e não uma coroa de espinhos), Diana, Poseidon, Marte e Vênus, que segura no colo seu filho, Cupido. Dionísio é retratado como um homem seminu com um cacho de uvas na mão. No fundo, a imagem de um céu com nuvens e anjos.

Diante de todas essas evidências, fica claro que a performance com as drag queens não foi apenas uma homenagem aos deuses e à mitologia grega. Foi também mais uma entre tantas manifestações que valorizam a história das Olimpíadas. Que valorizam a história da França, sua cultura, as mulheres revolucionárias francesas, além da música, gastronomia e moda, marcas registradas daquele país. O evento também tinha como objetivo transmitir uma mensagem de respeito, união dos povos e diversidade.

Um outro ponto importante é que as drag queens estão cada vez mais influenciando o mundo da moda. Seja nas redes sociais ou estampando capas de revistas ou participando de desfiles de marcas famosas e estilistas como Jean Paul Gaultier.

Contra-argumentando as críticas dos religiosos e ultraconservadores, há também os que defendam que, mesmo que a encenação tenha sido uma referência a Jesus, seria mais do que aceitável que as drag queens, assim como todos aqueles que sempre estiveram à margem da sociedade, estivessem à mesa com o Messias, que sempre os protegeu e com quem verdadeiramente andou.

Vale ressaltar também que a pintura de Leonardo Da Vinci, encomendada pela igreja católica, pintada com o olhar (pela ótica) de um pintor renascentista do século XV. Basta observar os traços de Jesus e dos apóstolos com biotipo muito mais próximo de pessoas brancas romanas do que aquele descrito por historiadores.

Em 2001, um documentário da BBC, mostrou uma face que seria a mais próxima de Jesus a partir de um vasto estudo de reconstruções faciais coordenado pelo especialista Richard Neave. Corroborando esses estudos, a historiadora e professora do Departamento de Teologia e Estudos Religiosos do King’s College de Londres, Joan E. Taylor, descreve Jesus da seguinte forma:

“Os judeus daquela época eram biologicamente semelhantes aos judeus iraquianos de hoje. Acredito que ele tinha cabelos castanhos, pele morena, em torno de 1,60m e 50 quilos.”

E teria morrido com uma idade de aproximadamente 30 anos.

Já que estamos falando de Leonardo Da Vinci e da polêmica envolvendo drag queens, vale lembrar que Da Vinci era, de fato, um homem declaradamente gay, inclusive julgado por sua orientação sexual.

Percebe o quanto os signos são interpretações a partir de um ponto de vista.

Os significantes são todos os elementos presentes, concretos. Porém, o significado que cada um dá a partir de suas crenças, conhecimentos, cultura, valores e até interesses políticos são completamente diferentes.

Fato é que a mensagem que o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach, e do Secretário-geral da ONU, António Guterres, transmitiram nos seus discursos durante a abertura das Olimpíadas 2024 reforçaram a importância da diversidade, da tolerância, da paz, do convívio entre nações e povos diversos, de união num mundo onde não haja sul e norte global, e um convite à trégua e que todos baixassem as “armas”.

Simbólica e historicamente, as olimpíadas são (ou deveriam ser) um momento de trégua entre os conflitos e guerras, a Vila Olímpica da modernidade, o espaço do convívio entre nações onde atletas de mais de 200 países, e pela primeira vez com a participação de 50% de mulheres, possam conviver em harmonia e com respeito a todas as diferenças.

A pergunta que fica é: qual a sua ótica sobre tudo isso? A ótica que nada mais é do que um ponto de vista e seria a vista de um ponto?

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Quer conversar mais sobre a polêmica em torno da abertura das Olimpíadas de Paris 2024? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em responder.

Cris Ferreira
https://soucrisferreira.com.br/

Confira também: A Vitória da Resiliência e da Representatividade Feminina: As Olimpíadas de Paris nos deixam grandes lições

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Cristiane Ferreira é Coach formada pelo IBC – Instituto Brasileiro de Coaching, Professora da Fundação Getúlio Vargas com cadeiras em Liderança, Coaching, Inteligência Emocional, Técnicas de Comunicação e Empreendedorismo, Palestrante, Empresária do setor de Educação desde 1991, Graduada em Letras pela UFMG e Pós-graduada em Linguística Aplicada pela UFMG, MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, Formada em Inglês pela University of New Mexico, EUA, Apresentadora do Programa Sou Múltipla, Fundadora da Associação das Mulheres Empreendedoras de Betim, Ex-Presidente da Câmara Estadual da Mulher Empreendedora da Federaminas (2014/2016), Destaque no Empreendedorismo feminino, recebeu vários prêmios entre eles o “Mulheres Notáveis – Troféu Maria Elvira Salles Ferreira” da ACMinas, troféu Mulher Líder, “Medalha Josefina Bento” da Câmara Municipal de Betim, “Mulher Influente” do MG Turismo e o “Mérito Legislativo do Estado de Minas Gerais”, Comenda Amiga da Cultura da Prefeitura Municipal de Betim.
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