Joseph Campbell, em seu livro “A Jornada do Herói”, fala-nos que praticamente todas as histórias literárias, desde tempos imemoriais, seguem o mesmo roteiro. Em um pequeno exemplo disto, segue um quadro comparativo:
A sugestão de Campbell é de que, a fim de demonstrar uma moral da história ou um crescimento do personagem, essas etapas demonstradas na imagem são essenciais. Sendo assim, todo roteiro bom e significativo jamais fugiria disso.
Pois bem, e daí? E daí que essa constância no mundo literário também se aplica no nosso mundo real. De fato, o aprendizado a tirar disto é que todo e qualquer aprendizado relevante nascerá de uma saída de nossa zona de conforto. Da mesma forma que Harry Potter partiu para Hogwarts, os Hobbits para Mordor, Neo saiu da Matrix e Luke de Tattoine, nós também precisaremos abandonar nosso mundo.
Esta é uma ideia elegante e motivadora, a qual nos convida sempre a abraçar novas oportunidades e crescer junto delas. Lindo. No entanto, ela é praticada por pouquíssimos. A maioria, de fato, decide casar com a zona de conforto, fadando-se a uma existência medíocre e sem avanços. Nas palavras de Henry David Thoreau: “Vivem uma agonia silenciosa”. Por quê? Seriam essas pessoas sedentárias vitais e vagabundos? Não, nunca é tão simples. Nossa primeira saída da zona de conforto foi nascer. E todas as outras não são menos dolorosas. Abandonar os laços que tínhamos no passado, seja com pessoas ou com nossas perspectivas de felicidade, é idêntico a um parto: agoniante, abrupto e sujo. Se muitos agoniam mudos, outros esgoelam de dor.
Não sei onde eu estou nessa divisão de dor. Depois de muito esforço, consegui entrar na faculdade almejada. Ótimos professores, instalação e estrutura perfeitas e nome forte o suficiente para me garantir financeiramente logo após a saída do último ano. Por vezes, sinto-me integrado: no meio daqueles que amam a mesma carreira do que eu e, até certo ponto, tem objetivos e meios parecidos. Eu pertenço a isso. Já nasci. Em outros momentos, julgo-me distanciado: são – bem – mais ricos, mais libertinos e espontâneos. Teria que mudar para estar integrado, cortar laços com meu antigo eu: beber, zoar, dançar. Não quero. Eu não pertenço a isso, vou me manter solitário. Quero estar no útero.
O nome para essa minha condição, para aquele que não iniciou sua jornada do herói e nem abraçou o conformismo, é o “Homem Marginal”. Ele vive nas margens, na periferia, entre duas situações. E, por isso mesmo, agoniza pelas duas dores: a de tentar se integrar e a de estar isolado, a de ser e não ser, a do silêncio e a do grito. Pobre situação essa do homem marginal.
Mas talvez haja algo positivo. Enquanto intermédio entre esses dois mundos, o da conformidade e o da quebra, entre conversar de assuntos que amo e ir ao bar, tenha uma visão objetiva de ambos. Vejo o quão importante é estudar e discutir sobre minha carreira, bem como noto o quanto isso pode ser estressante e limitador; noto o valor de relaxar, descontrair e zoar, mas também observo claramente o quanto isso pode fazer alguém se perder.
Então, talvez eu tenha uma nova sugestão de roteiro para o Campbell, que não envolva saída da zona de conforto. No caso, basta que o personagem principal saiba como é fora dela. Que Harry Potter tenha visitado Hogwarts, deslumbrando-se com, mas escolhido não ficar. Que Frodo tenha iniciado a jornada a Mordor, notado seus perigos e grandeza, mas voltado. Harry e Frodo, neste contexto, seriam as pessoas mais completas da série: saberiam tanto sobre seu conforto quanto sobre a explosão dele.
O valor estaria em ver ambas as faces dos heróis e dos conformistas, não em optar por qualquer uma delas. Há um parto, mas sem a dor do mesmo, em última análise.
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