“Dominar o medo é o início da sabedoria.” (Bertrand Russell)
O episódio se passa no aeroporto de Confins, em Belo Horizonte. Estou a caminho de Palmas, capital do Tocantins, com escala em Brasília. O embarque é anunciado nos alto-falantes. Como de hábito, sou um dos últimos a seguir para a ponte que dá acesso à aeronave – procuro distanciamento de filas de qualquer qualidade porque elas me fazem sentir desrespeito no uso do tempo.
Eis que surgem no horizonte, um pouco apressadas, as figuras de mãe e filho. O garoto, contando não mais do que dez anos de idade, apresenta à despachante seu cartão de embarque. Seu e de sua mãe. Seu semblante denota um ar de expectativa, talvez até falta de alegria.
Quando nos aproximamos da porta do avião, ouço o jovem dizer à sua atenta companhia:
– Mãe, tô com medo…
Nesse instante, compreendo o porquê de cada marca de expressão que contorna sua face. Trata-se de seu primeiro voo, uma experiência única, quase um rito de passagem.
As nossas primeiras experiências são todas muito peculiares. Algumas frustrantes, outras insípidas, a maioria inesquecíveis. O primeiro dente que cai, a primeira briga, o primeiro beijo. A primeira aprovação num concurso vestibular, com direito a cara pintada e cabelo podado. O primeiro trabalho remunerado e o primeiro dinheiro ganho a partir do próprio esforço.
Rubem Alves disse em uma de suas crônicas: “O prazer é único, não se repete. A alegria repete-se sempre. Basta lembrar”. De fato, o sorriso ganha meus lábios quando me remeto à memória de momentos especiais que pude viver.
É curioso como desejamos muitas coisas e lutamos para conquistá-las, negligenciando-as logo em seguida. Faço uma analogia com as crianças que passam um ano inteiro insistindo em determinado brinquedo como presente de aniversário, abandonando-o depois de uma hora de diversão. Temos dificuldades para apreciar nossas conquistas…
Também tive, é claro, meu primeiro voo. Recordo-me do quão impressionado fiquei com a arquitetura do aeroporto, com a engenharia da aeronave, com a eficiência do atendimento, com o cenário vislumbrado através da pequena janela. Hoje, pululando de um avião para outro, o que era admirável virou lugar comum. Uma companhia aérea não me vende transporte, segurança ou serviço de bordo. O que eu compro dela é economia de tempo.
A sorte negou-me o privilégio de sentar-me próximo ao jovem viajante para acompanhar sua ansiedade na decolagem ou sua angústia durante o pouso. A última imagem que registrei foi de sua mãe, máquina em punho, fotografando-o na porta da cabine de comando. E seu sorriso contagiante como que declarando ao mundo a transposição de mais um estágio de seu crescimento: agora, ele também pode voar.
Queria eu que todos os sorrisos fossem expressivos como aquele. E que todos os nossos medos pudessem ser como o que ele sentiu ao se aproximar do avião: medo que desafia, mas não paralisa; medo que se enfrenta e se supera.
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